Desde sempre se propagou que o tributo declarado e não pago, configura “apenas” dívida tributária e não crime tributário. Ocorre que esse entendimento estava dividido no Superior Tribunal de Justiça (STJ) até o mês de Agosto/2018, quando a 3ª. Seção decidiu que o não recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), mesmo que declarado, configura crime.
No tocante ao ICMS, o estado de Santa Catarina foi pioneiro na criminalização da inadimplência desse tributo, tendo sido seguido nos últimos anos, pela Bahia e pelo Distrito Federal; para os procuradores desses estados, tendo em vista que o ICMS deve ser calculado por dentro (embutindo-se o tributo no preço do final, na forma do artigo 13, § 1º., inciso I da Lei Complementar nº. 87/1996), sempre que há inadimplência (mesmo que o tributo tenha sido declarado), ocorre o crime tipificado como “deixar de recolher […] tributo […] descontado ou cobrado”.
Há algum tempo, a 5ª. Turma do STJ seguindo essa linha de interpretação, vem decidindo que a falta de recolhimento do ICMS (próprio ou substituído, não importa), configura crime tributário, na forma do artigo 2º. Inciso II, combinado com o artigo 11 da Lei nº. 8.137/90, ao passo que, na 6ª. Turma havia uma divergência onde, alguns ministros em decisões monocráticas entendiam como crime e outros entendiam que não havia crime, apenas inadimplência.
Lei nº. 8.1379/1990
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Grifado).
A controvérsia sempre residiu no entendimento da expressão ‘descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação’, o que sempre distinguiu, o tributo em que a empresa não é contribuinte de fato, mas, apenas, tem o dever de reter e repassar os valores ao fisco.
O caso mais simples de entender, se extrai do imposto de renda na fonte (IRF) devido pelos salários dos empregados, afinal, o contribuinte do imposto é quem recebe a remuneração, mas, com vistas a facilitar o procedimento de arrecadação, a legislação transferiu a responsabilidade pela retenção e pagamento, para a fonte pagadora (empregador) e, se não houver o recolhimento do IRF, a empresa estará cometendo o crime tipificado como apropriação indébita, afinal, reteve do verdadeiro contribuinte o valor do tributo, porém, não fez o repasse ao fisco no momento próprio – “deixar de recolher […] tributo […] descontado ou cobrado”.
A doutrina majoritária entende que o ICMS próprio – aquele decorrente da apuração normal mensal, diferentemente do ICMS decorrente de Substituição Tributária (ICMS-ST) – ainda que seja um imposto indireto (incidente sobre o produto/mercadoria/serviço que as pessoas consomem) o qual transmite o ônus financeiro ao consumidor final, não se enquadra na hipótese de responsabilidade tributária, como mencionado antes sobre o IRF.
Afinal, o fato gerador do ICMS é a realização de operação relativa a circulação de mercadoria – dentre outras, e é praticado pelo comerciante (industrial ou prestador de serviço), sendo ele o “próprio” contribuinte do imposto. Assim, pode-se concluir que o consumidor final não é o contribuinte do imposto, nem tampouco, o responsável tributário e dessa forma, não integra qualquer relação jurídica com o fisco estadual. Na prática, em nenhuma hipótese o consumidor final será cobrado pelo pagamento do imposto devido nessa operação.
Diante desse cenário, não se pode concluir que a transferência do ônus financeiro do ICMS, seria ‘descontado ou cobrado’ do consumidor final, pois, esse tributo, assim, como outros (IPI, PIS, COFINS, IRPJ, CSLL etc), apenas compõe o preço do produto, mercadoria ou serviço, a partir dos custos de sua produção.
Retornando a essa última decisão do STJ, em que pese o julgamento do Habeas Corpus 399.109 não ter sido unanime, a maioria dos ministros (6 x 3) entendeu que o ICMS mesmo que declarado, em qualquer hipótese (substituído ou próprio), não recolhido aos cofres públicos, configura o crime previsto no artigo 2º. Inciso II da Lei nº. 8.137/90.
E, necessário mencionar que, essa decisão, não considerou relevantes entendimentos tributários, bem como, foi de encontro a decisões consolidadas do Supremo Tribunal Federal (STF) e ainda, de Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário há décadas. De acordo com essas decisões sumuladas e, tratados, depreende-se que a norma vigente no país, determina que só é possível a prisão civil, por dívida decorrente do não pagamento de pensão alimentícia (RE 349703, RE 466343), mas, essa decisão da 3ª. Seção do STJ, contrariou esse entendimento.
Súmula 70 – STF
É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula 323 – STF
É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
Súmula 547 – STF
Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
Convenção Americana sobre Direitos Humanos – (Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969) – Pacto de San José, ratificado pelo Brasil em 1992.
Artigo 7. Direito à liberdade pessoal
( … ) 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), ratificado pelo Brasil em 1992.
Artigo 11
Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.
Não bastassem as súmulas que proíbem sanções indiretas aos contribuintes inadimplentes e ainda, os Tratados internacionais dos quais o país é signatário e tem o dever de fazê-los serem cumpridos em seu território, é importante destacarmos o voto do ministro relator Ricardo Lewandowski quando do julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário nº. 999.425, com repercussão geral, onde se vê:
“Dessa forma, as condutas tipificadas na Lei 8.137/1990 não se referem simplesmente ao não pagamento de tributos, mas aos atos praticados pelo contribuinte com o fim de sonegar o tributo devido, consubstanciados em fraude, omissão, prestação de informações falsas às autoridades fazendárias e outros ardis. Não se trata de punir a inadimplência do contribuinte, ou seja, apenas a dívida com o Fisco. Por isso, os delitos previstos na Lei 8.137/1991 não violam o art. 5°, LXVII, da Carta Magna bem como não ferem a característica do Direito Penal de configurar a ultima ratio para tutelar a ordem tributária e impedir a sonegação fiscal.” (Grifado).
Como se pode observar no trecho do voto transcrito acima, o STF entendeu que a Lei nº. 8.137/90, não pode ser utilizada para cobrar o contribuinte inadimplente, mas, apenas, deve ser imposta contra os diversos atos de sonegação fiscal, porém, como dito, não foi assim que o STJ entendeu e, isso nos leva a crer que o assunto não está encerrado, sendo certo que, o STF mais uma vez, será instado a deliberar sobre a matéria.
Enquanto o STF não se debruçar sobre o assunto para impor uma decisão uniforme, a única forma dos contribuintes inadimplentes de ICMS evitarem a ação penal, se dá pelo pagamento (a vista ou parcelado) de suas dívidas para com os estados e, como sempre menciono, uma alternativa para obter os recursos ou mesmo reduzir a dívida em questão, se apresenta pela Recuperação de tributos recolhidos a maior e, somos especialistas nesse assunto.
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